sábado, 6 de fevereiro de 2010

A fogueira da Orange Butch


Da fogueira não restou muita coisa, apenas lágrimas e cinzas.

Ainda consigo recordar os olhos vermelhos e a pá pintada de fuligem, de tudo como se fosse ontem. Lembro em especial dela que soluçava baixinho no seu canto, jogando fora alguns mimos da carteira de butch. A imagem toda era laranja com as bordas velhas e gastas, talvez igual a seu coração, abarrotado e batidinha nas costas.

Sapa é assim mesmo, chora igual criança quando dói perto da alma. Ela, eu nunca tinha visto tão inconsolável, pois choramingar já era clássico pelo corredor das sem-palavras. Pensar que tão longe e ainda lá.

Belém tinha feito conexões.

Cada uma mandava um telegramazinho vagabundo, bem como nosso orgulho ou o que restava dele ,para diversas partes do país. Diana no seu lindo vestido vermelho andava por Manaus. Angelina tinha o coração bêbado e até tentou queimar o celular pelos arredores de Paraopebas. Fernandes mandou um telegrama para o inferno, pois somente de lá poderia vir os escorpianos. Alguém colava fotos nas paredes como recortes de um coração murcho.

Aquela butch de violão e letra alaranjada foi a única a voltar para São Luís, voltar pra Beira-mar. Ela foi contar seu segredo pro danado do mar que teimava em refletir a lua complicada. O choro dela era uma súplica, um pedacinho do corpo, a última gota da garrafa vazia. E quando todos sumiram, ela ainda estava lá.

(Recolheu as cinzas, misturou com um pouco de lágrima, pingou uma gota de laranja e modelou sua vida boba em algum signo sofisticado de ascendente em libra).

— Isso foi um enterro! Diziam a ela.
— Eu sei.

Ao chegar de viagem, ela pegou o feto abortado, fez um buraco bem grande no quintal e o enterrou com os olhos ainda cheios de lágrimas.

Depois de um tempo, as butches tinham encontrado novas razões de viver, lá pelos interiores do Maranhão. Meninas que nortearam a força existente e provaram que o coração poderia dar certo, era só acreditar no novo. E porquê acreditavam, conseguiam.

Mas numa quinta-feira de inverno, quando todo mundo já esquecia da menina laranja, eis que a própria surge acompanhada, e todas ficam boquiabertas.

—Ei, Ariana. Mas essa daí não era aquela lembrança enterrada?
—É, sim.
—Então, o que aconteceu?
—Ah, é que choveu e ela brotou de novo no meu jardim.

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