quarta-feira, 7 de abril de 2010

Vaca Preta e Estrume Humano


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O exposto do oposto a incomodava tanto que mal podia se mirar no espelho. A vida era doída, ela concluiu. Mas o que não dói não pode ser considerado vida. É pura morte. Então, considerando-se viva, sofria por tudo só pra sentir que vivia um pouquinho mais que os outros. E, quando tudo apertava fazia uma careta qualquer, olhava-se no espelho, coçava o nariz feio, esfregava os dentes feios com a língua feia molhada e cuspia a gosma amarela da boca.
O espelho era limpo todos os dias na esperança de que a alma se mostrasse, não dela, mas do próprio espelho zombeteiro.
Ela não gostava quando riam ou cochichavam sobre o seu nariz. Baixava a cabeça e pensava que de cima ele fosse mais bonito.
A vida era uma vaca preta e o estrume, as pessoas. Esse era o seu pensamento sem linha, sem cabeça, um pensamento doído, cheio de sofrimento. Não fosse pela vida sofrida, talvez preferisse não doer, não doer mesmo. Seria uma pessoa bonita e decidida com um mordomo chamado James, mas se tivesse tudo, ou seja, um mordomo, ela não teria vida porque a vida consiste na dor, no sofrimento das mocinhas feias com narizes feios.